quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Quando a mágica acontece

O mês era janeiro e eu estava vivendo um dos piores momentos da minha vida. Meu emprego não me emocionava, meus amigos eram poucos e ocupados com a agitação de suas próprias vidas e meu coração estava seriamente partido. Então, como sempre faço nas piores fases da vida, recorri ao cinema pra encontrar conforto e me inspirar. Foi uma longa maratona de filmes de auto-ajuda sobre mulheres que se redescobriam e se reinventavam em tempos difíceis. Protagonistas com quem eu me identificava, mulheres que representavam a pessoa que eu desejava me tornar. O que eu deveria fazer pra ser como elas? Eu já havia tentado fazer um filme, uma plástica, mudar de carreira, tomar anti depressivos e até redecorar a minha casa, mas depois de algum tempo a frustração voltava e o medo de viver também. Foi em uma tarde preguiçosa de domingo que uma lâmpada brilhou sob a minha cabeça e eu descobri o que todas elas partilhavam: todas tiveram coragem de mudar sua rotina. "Sob o Sol da Toscana", "Cartas para Julieta", "A Princesa e o Plebeu" e "Comer Rezar Amar" também tinham um ponto em comum, a Itália. A ideia tímida amadureceu.

Naquela tipica segunda-feira cinzenta, comprei uma passagem e me inscrevi em um curso de italiano através do teatro em Roma, que só começaria dali nove meses. Assim, eu teria tempo suficiente pra guardar dinheiro, preparar meus pais pra ficar um mês longe da filhinha depressiva e, principalmente, tomar coragem pra fazer algo diferente.

Os meses voaram e meu estado de espírito não evoluiu tanto quanto eu esperava, mas no dia 24 de setembro de 2011, as 8:15 da manhã, entrei em um avião com apenas uma certeza: conheceria um novo lugar, teria tempo pra pensar, escrever e me encontrar. O plano inicial era aproveitar os próximos vinte dias comigo mesma e aprender a me conhecer.

Logo no primeiro dia descobri que Roma encanta. E caminhando literalmente sem saber onde chegaria avistei o Coliseu. Foi nesse momento que a ficha caiu, eu não estava mais em casa. E eu estava sozinha com meus pensamentos. Naquele domingo vaguei pela cidade vendo monumentos, praças, pessoas. E encontrei o lugar que mais me inspirou, o Pincio, onde pude ver a cidade toda sob a luz do pôr do sol. Eu era a protagonista do meu próprio filme e as mudanças começavam a acontecer. Depois disso voltei neste lugar mais três vezes e cada uma delas acrescentou um novo capítulo a minha história.

Nestes vinte dias eu descobri que nem só de monumentos é feita a mágica de Roma, ela também carrega muitos sabores. Tive vários relacionamentos com minhas pizzas, minhas pastas e especialmente com meu vinho. Ou alcool, já que o vinho e eu não éramos exatamente exclusivos. Uma noite, quando a saudade de casa bateu, descobri o limoncello. "Sweet and dangerous".

Sim, Roma é maravilhosa. Mas Roma foi apenas o cenário dessa peça que começou a se articular naquele domingo. A verdadeira mudança aconteceu graças ao impacto das pessoas que cruzaram meu caminho nestes vinte dias.

Shakespeare diria que os amigos são a família que nos permitiram escolher. Eu tenho uma segunda família maravilhosa na Itália, podemos não compartilhar o mesmo sangue, mas compartilhamos o mesmo vinho. E eles foram generosos o bastante pra compartilhar sua sabedoria comigo.

Antes de ir pra Roma pensava ser filha única. Acontece que Deus me deu uma irmã mais nova, meio napolitana e meio islandesa chamada Valentina Tinganelli. Ela e o namorado de nome impronunciável, Eyjólfur, dividiram o apartamento comigo por duas semanas. Ambos são engraçados, generosos, extremamente adoráveis e me mostraram que nem sempre a solidão é o melhor caminho pra se descobrir. Quem diria que a melhor bruschetta que eu comeria na Itália seria preparada por uma islandesa? O que vou dizer agora é bem piegas, mas a mais pura verdade. Quando eu chorei, ela segurou minha mão e me fez acreditar que ia ficar tudo bem e quando eu ri, ela riu comigo. E o Eyjólfur nos fez rir. Eu os trouxe comigo no coração para o Brasil e abençoado seja Mark Zukemberg pelo Facebook!

Uma das pessoas mais interessantes que eu conheci em Roma foi justamente um belga chamado, pasmem, Sérgio. Pra mim isso era nome de brasileiro. Pra descrevê-lo eu precisaria das habilidades de Michelangelo ao criar seu Davi, o que foi um pouco prejudicial pra nossa amizade no início, já que eu nunca confiei muito em homens bonitos demais. Sempre tive a impressão que homem bonito é burro e egocêntrico. Mordi a língua três vezes depois disso! O Sergio é uma pessoa maravilhosa, engraçado, companheiro de vinho da hora do almoço, festeiro como o resto de nós e que realmente derrubou meu preconceito sobre homens bonitos e bem vestidos, se heterossexuais, serem burros. Ah, sim, ele pretende vir ao Brasil pro carnaval e se alguma menina estiver interessada em uma senha... hehehe

Do meu passado encontrei um antigo amigo com quem converso há 10 anos. Colocar uma face a uma amizade tão longa é realmente algo mágico e fico feliz que o passado sempre tenha um lugar no presente.

Se Elizabeth Gilbert teve um Luca Spaghetti pra mostrar a verdadeira Roma, eu tive um Francesco. Na verdade eu tive dois, mas o Secondo foi realmente um tipico romano que adora futebol e me levou pra conhecer os monumentos caminhando a noite, me fazendo ver Roma sob uma nova perspectiva. E não tiramos nenhuma foto pra colocar no livro de memórias... Mas certamente jamais esquecerei o verdadeiro café italiano, o Panteão e o bolo que ele me deu porque tinha que jogar futebol. Mas ainda assim, quando eu voltar, vamos jantar.

E teve também o Luca que não é Spaghetti. Este é realmente uma figura! Um rapaz um pouco tímido a primeira vista, com um sorriso doce, fala mansa e habilidades culinárias incríveis. Uma das coisas mais interessantes sobre o Luca é como ele come. Sério, é um espetáculo a parte, a forma como calmamente aprecia a comida, como descobre os sabores, como a maioria dos italianos não tem pressa na hora da refeição. Talvez seja esse o segredo pra se manter em forma na Itália, manter a calma e sentir prazer. O Luca me deu meu momento mais "La Dolce Vita" na Itália, me levando pra conhecer Roma na garupa de uma moto (sério, se você conhece o transito de Roma vai entender por que eu tenho muito medo disso).  Ele me mostrou ainda que viver intensamente não é viver sem medo, é simplesmente ter coragem suficiente pra supera-lo e aproveitar o momento. Basicamente, "let it be".

E claro que eu não posso esquecer da Célia, uma paulista que me acompanhou nas compras, no vinho e nas histórias românticas sobre a Itália.

Mas um roteiro perfeito tem sempre aquela pessoa que cataliza a história, o braço direito do protagonista. Roma me presenteou com o melhor amigo que eu poderia querer, uma alma gêmea fraterna chamada Amyntor Bastos. Esse paraense descolado foi a pessoa que mais me ensinou nessa viagem toda, e se eu tive o melhor fim de semana e a melhor experiência da minha vida, em parte foi graças a ele. Foi quem me lembrou que a força pra realizar nossos desejos está dentro de nós mesmos, assim como a nossa felicidade verdadeira. Ele é um exemplo de perseverança, uma lição de vida, um lutador sábio que me mostrou como aceitar o inesperado de braços abertos. Eu não poderia querer um companheiro de viagem melhor. Foi um prazer conhecer Pompéia ao lado dele, fotografar o "mar" de Nápoles, falar palavras inconvenientes em italiano, procurar o melhor tiramisú e, principalmente, beber vinho em Trastevere em meio a conversas intermináveis. Talvez a lição mais significativa que ele tenha me dado ninguém entenda, mas vou postar mesmo assim: "Florença é velha e sobreviveu a guerras, pestes e terremotos. É bem provável que ainda esteja lá quando você voltar pra Itália." Sei mio vero amico romano e abiti nel mio cuore per sempre.

Valentina, Eyjólfur, Sergio, eu e Amyntor em Trastevere.

A garota que entrou no avião a caminho de Roma em setembro não foi a garota que desceu do avião em Curitiba em outubro. Graças a essas pessoas maravilhosas e a essa experiência pra lá de mágica descobri que tudo bem chorar, desde que você também saiba sorrir, que finais felizes são uma questão de perspectiva e que tudo acontece quando tem que acontecer.

Nossa vida é sim como um filme, enquanto estamos esperando ela acontecer na verdade ela já está acontecendo, os momentos difíceis são na verdade necessários pra nos ajudar a crescer e apreciar mais os bons momentos e as pessoas a nossa volta. Se não consegue levantar, comece a revolução da própria cama.

Obrigada meus amigos, espero que a minha experiência seja útil pra alguém. Não digo que você precise cruzar um oceano pra perceber isso, basta simplesmente se arriscar a fazer algo que jamais pensou que fosse capaz.