terça-feira, 10 de setembro de 2013

E tudo re-começa onde terminou...

Há cerca de um mês resolvi ressuscitar o blog seguindo o conselho do meu (novo) psiquiatra, não exatamente porque eu encare o blog como uma forma de terapia, mas porque escrever, seja sobre o que for, me fascina, me liberta, mesmo que ninguém nunca leia minhas palavras. Mas antes de "retomar a labuta" resolvi tirar um tempo pra ler tudo o que escrevi nos dois  anos em que este blog ficou ativo e vou precisar das palavras do Ziraldo pra manifestar o que sinto: "Se não fosse o espelho e os amigos de infância a gente nunca saberia que está ficando velho". Os últimos dois anos me renderam muito mais que uma afilhada, um nariz e um queixo novos e 340 ml de silicone, os últimos dois anos me transformaram por dentro e por fora. Minha afilhada especialmente.

A Mariana tem 2 anos e 3 meses, tenho fotos dela por todo o meu quarto. Ela nasceu exatamente 27 anos, 10 meses e 7 dias depois de mim e foi o melhor presente de aniversário que eu já recebi (obrigada Willi e Kellen!). Ela é uma criança doce, de personalidade forte, que sabe o que quer (e como sabe!), nascida na era da tecnologia, da informação rápida, ela verá coisas e viverá coisas que eu jamais poderia imaginar nos meus roteiros mais fantasiosos. Mas eu temo pela Mariana, temo pela infância dela, pela sua integridade física e sanidade mental. A gente sabe que está ficando velho aos 29 anos quando começa a se preocupar com o futuro e usar frases que começam com "no meu tempo..."

Mariana não viverá no meu tempo. Mariana desafiará seus pais, tios e avós quando adolescente como todo e qualquer adolescente que eu conheço. Mas temo que o mundo de Mariana seja muito diferente do nosso... Temo que seja pior. Temo que Mariana abandone a infância muito antes do tempo. Outro dia vi uma menina de 12 anos que engravidou de propósito do namorado e me perguntei o que aconteceu com brincar de Barbie, esconde-esconde, jogar bets na rua, ficar de bobeira com os amigos da escola tomando uma coca-cola e comendo cheetos depois da escola (melhor substituir por um suco de morango e cenouras no mundo politicamente correto em que vivemos hoje). Temo que Mariana cresça pra viver em um mundo em que a palavra "negro" seja o equivalente a "valdemort" (e já não é assim?) e que "gay" seja sinônimo ou de "vergonha" ou de "safadeza". Tenho medo que o Iphone (ou Galaxy) substitua o contato humano. Tenho medo que a divisão social que estamos experimentando hoje prevaleça e ela seja marcada como uma vaca no pasto que carrega na pele a insignia de seu criador. Tenho medo que os conceitos de Deus e Diabo se tornem tão banais quanto os atos insanos cometidos diariamente pelas pessoas e que ela também, como eu nos dias de hoje, não se comova com o garoto que pede um trocado no sinal de trânsito porque sabe que por trás dele tem alguém saudável que decidiu explorar uma criança em vez de arrumar um trabalho. Tenho medo que ela não tenha um trabalho. Tenho medo que suas escolhas sejam feministas demais e que o mundo a julgue por isso. Eu temo por Mariana, pelo mundo que a aguarda, temo porque ultimamente nossos ideais estão distorcidos, vivemos em meio ao caos, sem saber muito bem o que fazer.
Há alguns meses vi meu país acordar. Vi meus jovens saírem às ruas em busca de um Brasil melhor. Vi como isso inspirou o mundo lá fora em primeira mão já que me encontrava no velho continente, ver que o gigante acordava me orgulhou, pensei que talvez nem todos os valores estivessem perdidos, ao menos a cidadania havíamos recuperado, mas aí nos contentamos com a copa do mundo e R$0,20 e meu gigante voltou a dormir e o futuro de Mariana voltou a ser ameaçado. Sim, porque um povo que não tem voz ativa é um povo condenado a escravidão, é um rebanho que serve aos que nos convenceram que têm mais poder. Nós provamos um pouco do que é estar no controle, mas deixamos escapar a chance entre os dedos. E o pior de tudo é que eu, aquela que adoraria mudar o mundo, nem sei por onde começar simplesmente porque sei que pintar a cara de verde e amarelo e sair na rua sozinha não vai mudar nada... Ou vai? Uma andorinha não faz verão. Ou é isso que querem que acreditemos. Mariana vai crescer nesse mundo se não botarmos a boca no trombone e admitirmos que estamos insatisfeitos com o rumo que o mundo tomou. Não é esse o mundo que devemos deixar para Mariana ou para quem quer que seja. Não é só uma questão de culpar partido A ou partido B, governo A ou governo B... É uma questão de exigir que as coisas sejam feitas.
Há duas semanas fui parar no pronto socorro de Nossa Senhora do Ó em Pernambuco. Estava com uma crise renal, sou alérgica a buscopam simples ou composto, sou alérgica a dipirona e a uma série de medicamentos. Às 3 da manhã aquele lugar parecia o hospital de Silent Hill, sujo, mal cuidado. O médico, pelo menos 6 anos mais jovem que eu, fez realmente o que podia com o que tinha nas mãos. Não tinha remédios no pronto socorro. Ele me deu um anti-inflamatório esperando que fosse só uma dor nas costas e não uma pedra no rim e me mandou de volta ao hotel porque realmente eu estaria melhor cuidada lá do que em um hospital. Aí vocês me dizem que faltam médicos. Não senhores, nossos médicos são bons, são, ao menos, sensatos, mas nos lugares onde faltam médicos também faltam recursos. Ou vocês acham que um médico é capaz de tratar um paciente sem remédios e sem leitos? Vocês deveriam ver a maca onde deitei aquela noite. Vocês deveriam ver os olhos decepcionados daquele médico porque não tinha como me tratar. Não estou dizendo que sou contra todas as politicas sociais do nosso governo, só acho que estamos varrendo a sujeira pra debaixo do tapete  em vez de concertar o que deve ser concertado. E não falo só da saúde, este foi só um exemplo que tive há pouco tempo. Falta tudo, rouba-se muito, aceita-se qualquer coisa. Aceita-se uma bola e um estádio em vez de escolas. Aceita-se um cheque na Caixa Econômica em vez de um emprego. Aceita-se ficar na escuridão porque é mais fácil do que caminhar até a luz.
O mundo em que Mariana viverá será ainda menos valorizado e mais zuado se eu, você e todo mundo simplesmente aceitar que é difícil, que o tempo passa e que isso é problema de outras pessoas.